No mês passado, um advogado residente de São Paulo, Jonatas Lucena, enfrentou uma série de incidentes no estacionamento do Central Plaza Shopping que o levaram a ingressar com uma ação judicial por danos morais contra o estabelecimento e a empresa responsável pela administração do estacionamento, a Indigo. A situação, que começou com o bloqueio recorrente de seu veículo, atingiu o ponto de insustentabilidade, culminando em uma ação judicial que denuncia a violação de direitos fundamentais, especialmente o direito de ir e vir, garantido pela Constituição Federal.
Os inícios do conflito: o novo veículo e as travas de roda
Tudo começou quando Lucena adquiriu um Mitsubishi L200, um robusto utilitário que, nas semanas seguintes à sua compra, passou a ser alvo de constantes travas nas rodas dianteiras sempre que estacionado no Central Plaza Shopping. O problema surgiu de forma inesperada e repetitiva, criando uma série de transtornos que afetaram diretamente a rotina do advogado.
Lucena, que frequentemente utiliza o estacionamento do shopping devido à proximidade com a estação de metrô Tamanduateí, se viu, em todas as ocasiões, impossibilitado de retirar seu veículo sem antes solicitar a presença de um funcionário do estacionamento. Este funcionário, sempre em uma motocicleta, demorava para chegar e remover a trava, forçando o cliente a passar longos minutos aguardando, muitas vezes atrasando compromissos importantes.
A ausência de justificativa legal e a omissão de respostas
O que mais agravou a situação foi a falta de justificativa clara para a colocação das travas. Ao questionar os funcionários da Indigo, Lucena foi informado de que estavam “apenas cumprindo ordens”. Contudo, não houve qualquer explicação concreta quanto à norma ou legislação que autorizasse tal prática, muito menos uma justificativa plausível sobre o porquê de seu veículo ser sistematicamente travado, sem qualquer indício de infração.
Tal prática, segundo alega Lucena, configura um abuso de poder por parte do estabelecimento e da empresa administradora, já que não foi apresentada qualquer documentação que embasasse o uso das travas. A prática, além de ilegal, representa uma restrição direta ao direito de locomoção.
Tentativas de resolução e o silêncio das empresas
Diante da recorrência do problema, Lucena buscou uma solução amigável. Ele enviou e-mails tanto para o Central Plaza Shopping quanto para a Indigo, solicitando que cessassem o bloqueio de seu veículo. Na mensagem enviada, ele expressou claramente sua insatisfação com a prática abusiva.
O Central Plaza Shopping foi o único a responder, mas de forma insatisfatória e evasiva, alegando dificuldades em contatar o cliente. A Indigo, por outro lado, sequer deu retorno à comunicação. Essa omissão e descaso das empresas, somada ao contínuo abuso, forçaram Lucena a buscar a via judicial para resolver a situação.
A denúncia de abuso e a ação judicial
Ao ingressar com a ação judicial, Lucena denuncia que as práticas adotadas pelo Central Plaza Shopping e pela Indigo não apenas são abusivas, mas ilegais, ferindo diretamente o artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal, que garante o direito de locomoção a todos os cidadãos brasileiros. Ele sustenta que, em momento algum, estacionou seu veículo em vagas preferenciais ou em locais que dificultassem a circulação de outros veículos. As imagens anexadas ao processo comprovam que ele sempre respeitou as normas internas de estacionamento.
Além disso, ele argumenta que o uso de travas de roda sem uma justificativa legal não se trata de uma medida administrativa legítima, mas sim de uma sanção privada e arbitrária, sem respaldo em lei. A imposição dessas sanções, por uma entidade privada, configura um desrespeito ao direito de propriedade e, ainda mais grave, uma violação de direitos fundamentais.
Impacto emocional e dano moral
Lucena argumenta que, além do constrangimento gerado pelas repetidas ocorrências, a prática de travar seu veículo causou-lhe angústia e humilhação. Ao ter seu veículo preso no estacionamento, ele era forçado a esperar diante de outros clientes, o que gerava uma situação de vergonha, uma vez que a imagem de um veículo com a roda travada muitas vezes é associada à violação de regras ou comportamentos inadequados. Ele relata que a sensação de ser observado por terceiros, enquanto esperava pelo funcionário da Indigo, era profundamente desconfortável e desrespeitosa.
O advogado afirma ainda que, em razão da prática abusiva, tem enfrentado stress e atrasos constantes em sua rotina, o que exacerba ainda mais o sofrimento emocional.
Diante dessa situação, o requerente solicita que seja reparado pelos danos morais sofridos, argumentando que a conduta das empresas extrapola o mero aborrecimento do cotidiano. Ele pede que o Poder Judiciário reconheça o abuso e imponha às rés a devida compensação financeira pelos danos causados, além de determinar o fim da prática de travamento de seu veículo.
O que diz a lei: direitos do consumidor e o direito de locomoção
A prática denunciada por Lucena traz à tona uma discussão jurídica relevante sobre os limites das sanções que podem ser aplicadas por estabelecimentos privados. Embora os shopping centers possam estipular normas de conduta e estacionamento, essas normas não podem, sob nenhuma circunstância, violar direitos constitucionais. No caso em questão, o direito de locomoção foi diretamente afetado, o que configura uma clara transgressão do artigo 5º da Constituição Federal.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também protege os cidadãos contra práticas abusivas. O uso de travas de roda sem justificativa legal pode ser interpretado como um abuso de poder por parte do prestador de serviço, ferindo diretamente os princípios do CDC. Além disso, a ausência de resposta da Indigo ao pedido formal do advogado configura omissão, o que também pode ser interpretado como uma violação dos deveres do fornecedor de serviços.
Desfecho possível: ações indenizatórias por danos morais
A ação movida por Lucena busca não apenas a reparação dos danos morais sofridos, mas também uma decisão que coíba a continuidade da prática abusiva. Se o Poder Judiciário entender que o direito de locomoção do autor foi violado, é provável que as empresas sejam condenadas ao pagamento de indenizações, além de serem obrigadas a cessar o uso das travas de roda.
Além disso, o caso pode abrir precedente para que outros consumidores que enfrentam situações similares em outros shoppings ou estacionamentos privados também busquem reparação judicial. O desfecho do processo será observado com atenção, não apenas por consumidores, mas também por estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço, que poderão precisar rever suas práticas administrativas.
Uma questão de respeito ao consumidor
O caso envolvendo Jonatas Lucena e o Central Plaza Shopping traz à tona uma discussão importante sobre os limites das ações de empresas privadas em relação aos direitos dos consumidores. Enquanto os estabelecimentos têm o direito de criar normas internas, essas regras não podem, em nenhuma hipótese, se sobrepor aos direitos garantidos pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor. O direito de ir e vir é um dos pilares do estado democrático de direito, e práticas abusivas que ferem esse direito devem ser combatidas com vigor.
A situação vivida por Lucena é um lembrete de que, muitas vezes, o cidadão comum pode ser oprimido por práticas arbitrárias, e cabe ao Judiciário garantir que a justiça seja feita. Aguardamos o desenrolar do processo para ver como as empresas envolvidas serão responsabilizadas por seus atos.